Farra com dinheiro público rendeu, a chefe de quadrilha, patrimônio total de R$ 20 milhões
Lista de patrimônio de Gláucio, escrita à mão, com valor total de bens: R$ 20 milhões.
SÃO LUÍS – A morte do jornalista da editoria de política de O Estado do Maranhão,
Décio Sá, completa, nesta terça-feira (23), exato um ano. Décio foi
morto a tiros no dia 23 de abril de 2012, em um bar da avenida
Litorânea. O motivo do crime foram as denúncias realizadas pelo
jornalista, em seu blog, sobre uma quadrilha de agiotas que
atuava no Maranhão. Um consórcio formado por empresários encomendou a
execução do jornalista. Ontem (23), a TV Mirante mostrou, com exclusividade, no JMTV 2ª Edição, trechos
de depoimentos dos acusados, filmados pela polícia e encaminhados ao
Ministério Público e à Justiça, que revelam detalhes do inquérito sobre o
caso.
A quadrilha, que atuava no desvio de verbas de merenda escolar e em crime de agiotagem, começou a ter prejuízo a partir da publicação de reportagens no Blog do Décio.
O município de Zé Doca, localizado a 302 km da capital maranhense, São
Luís, e com 50,1 mil habitantes, segundo o "Censo 2010" do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tem grande carência em
várias áreas. A área da educação era, justamente, um dos focos de uma
das maiores quadrilha de agiotas do país que agia no Nordeste. Eles
pegavam dinheiro público como pagamento da dívida que o prefeito tinha com o grupo.
O
ex-prefeito de Zé Doca, Raimundo Notato Sampaio, conhecido como
"Natim", por exemplo, não tinha mais tanto dinheiro para fazer campanha
como em 2008, quando pegou um empréstimo de R$ 100 mil com o grupo de
agiotas, comandado por Gláucio Alencar. O próprio prefeito, em
depoimento à polícia, admitiu que fez o empréstimo. Ele conta que, em
troca, Gláucio ganharia uma licitação para fornecer a merenda escolar.
Sem saber que estava sendo gravado, ele acabou contando, para a equipe
da TV Mirante, detalhes do acordo com o grupo de agiotas. "Ele me
arrumou um dinheiro. Ele me arrumou R$ 50 mil para ser um dos
fornecedores de merenda. E ele me arrumou R$ 50 mil para ‘mim’ pagar
depois ‘pra’ ele", disse o ex-prefeito. "Desses R$ 100 mil, eu cheguei a
pagar mais de R$ 300 mil e fornecer dois anos de merenda ‘pros’
meninos", completa – veja um trecho do depoimento em vídeo no player do fim da reportagem.
Leia também: Especial do Imirante relembra um ano da morte de Décio Sá
Gláucio
Alencar e o pai dele, José de Alencar Miranda Carvalho, estão presos
desde o ano passado, acusados de serem os mandantes da morte do
empresário Fábio Brasil, em Teresina, um ex-sócio do grupo e que deu um
calote na quadrilha, e do assassinato do jornalista Décio Sá, que
apontou, em seu blog, indícios da participação do grupo no crime
do Piauí. Foi a partir desses assassinatos que a polícia descobriu o
esquema de agiotagem. Segundo as investigações, o grupo agia sempre do
mesmo jeito: depois de pegarem empréstimos
para as campanhas, os prefeitos facilitavam a licitação para empresas
fantasmas dos agiotas, que eram contratadas para fazer serviços e
fornecer produtos, como merenda escolar e até reformas de prédios
públicos.
No caso de Zé Doca,
uma das empresas de Gláucio passou a fornecer merenda escolar de
péssima qualidade, segundo o ex-prefeito. Ele conta que, quando foi
reclamar, sofreu ameaças. A quadrilha, também, agiu fornecendo
medicamentos para os hospitais da cidade. "Natim" afirma que chegou a
sofrer um enfarto por conta das ameaças da quadrilha e que, hoje, vive à
base de remédios. A cidade que ele administrou durante quatro anos,
também, sofreu as consequências da ação dos agiotas.
O
responsável pela empresa prestou depoimento à polícia e disse ser um
pintor de paredes. Afirmou que nunca participou dessa licitação e que
não conhece Gláucio Alencar. Admite, apenas, que abriu a empresa e que
passou uma procuração para uma pessoa chamada Richard Nixon, que a
polícia nunca descobriu quem é. Documentos apreendidos na casa do chefe
da quadrilha, Gláucio Alencar, mostram que ele usava pelo menos 35
empresas montadas só para participar de esquemas desse tipo. Quarenta e
uma prefeituras estariam envolvidas nas fraudes, segundo a polícia.
Cheques
Um dos cheques encontrados com os agiotas tem valor total de R$ 780 mil. Foto: Reprodução/TV Mirante.
Alguns
prefeitos, endividados, chegavam a assinar cheques em branco da
prefeitura para pagar os agiotas ou preenchidos e endossados pelo
prefeito para que os agiotas pudessem fazer os saques. Dinheiro que saía
direto de contas de programas federais, como o Programa Nacional de
Alimentação Escolar (Pnae) e o Fundo de Participação dos Municípios
(FPM). Dois dos cheques encontrados pela polícia são da Prefeitura de
Arari, assinados pelo, então, prefeito José Antônio Nunes Aguiar. Um
deles, no valor de R$ 102 mil. O ex-prefeito não foi encontrado pela
equipe de reportagem da TV Mirante.
Em
poder da quadrilha, também, foram encontrados cheques da cidade de
Rosário, assinados pelo ex-prefeito, Marconi Bimba. Não se sabe o
tamanho do rombo nos cofres de cada município, mas a prefeita atual de
Rosário diz que encontrou a cidade com muitos problemas.
Uma
licitação, no valor de quase R$ 1,3 milhão, feita para o fornecimento
de merenda escolar foi vencida por uma empresa que pertence à mulher de
Fábio Brasil. Em depoimento gravado pela polícia e encaminhado ao
Ministério Público e à Justiça, ela admite que a empresa dela era só de
fachada. Na cidade onde a quadrilha venceu a licitação milionária, o
dinheiro público poderia fazer diferença na rotina dos moradores. Na
educação, área mais atingida, ainda, é possível ver escolas em que salas
de aula são divididas apenas por um pano. Três turmas separadas somente
pela cortina. Na saúde, o hospital municipal está praticamente
abandonado. O ex-prefeito não foi encontrado para falar sobre o assunto.
Em
São Domingos do Azeitão, no sul do Estado, mais estragos provocados
pela quadrilha. Somente um dos cheques encontrados com os agiotas tem o
valor total de R$ 780 mil.
Patrimônio
Somente com o dinheiro que vinha de prefeituras, Gláucio teria renda mensal de R$ 1,6 milhão.
Ainda
não se tem um levantamento do rombo provocado pela quadrilha nos cofres
das prefeituras maranhenses, mas é possível se ter uma ideia, vendo o
que seria a lista de patrimônio de Gláucio, escrita à mão por ele,
segundo a polícia, e apreendida na casa do agiota. Valor total dos bens:
R$ 20 milhões.
Outro papel indicaria a renda mensal de Gláucio: só com o dinheiro que vinha de prefeituras, R$ 1,6 milhão.
Imirante